sexta-feira, dezembro 26, 2008

"S.Cristóvão"

“Mas, naquele esforço supremo toda sua vida se fora. Não podia mais. E já se sentava, exausto, numa rocha, quando o menino lhe murmurou que não parasse, que marchasse ainda, o conduzisse à casa de seu pai. E Cristóvão, arquejando, começou a trepar o íngreme caminho da serra. Uma vaga claridade errava nos altos. E as rochas, os abetos, emergiam da treva densa, que os afogara. Uma frialdade trespassava o ar — e Cristóvão tiritava, com o seu pobre saião de estamenha encharcado, que ia pingando na terra mole. E mais baixo murmurava: «Ah! meu menino! meu menino!...»
Cada vez mais escarpado, entre rochas, se empinava o caminho da serra. E Cristóvão todo curvado, com os seus cabelos caídos sobe a face e pingando, arquejava a cada passo. Subiria ele jamais até a morada do menino? E uma grande dor batia-lhe o coração, no terror de cair sem força, e a criancinha ficar ali, naquele ermo rude, entre as feras, sob a tormenta. A cada instante tinha de arrimar a mão a uma rocha, desfalecido, de se pender à ramagem de um abeto. E a claridade crescia; já, no alto dos montes, ele via palidamente alvejar a neve.
— Oh meu menino, onde é a casa de teu pai?— Mais longe, Cristóvão, mais longe...
E aquele bom gigante, agasalhando os pés do menino na dobra da pele de cabra, que o vento desmanchava, seguia com longos gemidos no caminho infindável, que mais apertava entre rochas, eriçadas de silvas enormes. Por fim, mal podia passar: as pontas das rochas rasgavam-lhe os braços, os longos espinhos atravessados, levavam-lhe a pele rude da face. E seguia! Já das feridas lhe pingava o sangue, e os olhos embaciados mal distinguiam o caminho, que parecia oscilar todo como abalado num tremor de terra. Uma luz, no entanto, mais viva, cor-de-rosa, já subia por trás das linhas dos cerros.
Mas Cristóvão parou, sem poder mais. Com o menino agarrado nos braços, ficou encostado a uma pedra, arquejando.
— Onde é a casa de teu pai?— Muito longe, Cristóvão, mais longe...
Então o bom gigante fez um prodigiosos esforço, e a cada passo, meio desfalecido, os olhos turvos, a cada instante lançando a mão para se arrimar, tropeçando, com grossas gotas de suor que se misturavam a grossas gotas de sangue, rompeu a caminhar, sempre para cima, sempre para cima. Os seus pés iam ao acaso, no desfalecimento que o tomava. Uma grande frialdade invadia todos os seus membros. Já se sentia tão fraco como a criança que levava aos ombros. E parou, sem poder, no topo do monte. Era o fim: um grande Sol nascia, banhava toda a Terra em luz. Cristóvão pousou o menino no chão, e caiu ao lado, estendendo as mãos. Ia morrer. Mas sentiu as suas grossas mãos presas nas do menino — e a terra faltou-lhe debaixo dos pés. Então entreabriu os olhos, e no esplendor incomparável reconheceu Jesus, Nosso Senhor, pequenino, como quando nasceu no curral, que docemente, através da manhã clara, o ia levando para o Céu.”
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(S. Cristovão, Eça de Queiroz, Últimas Páginas)

terça-feira, dezembro 23, 2008

Um jantar de Natal

Nos idos de oitenta começou por ser um almoço circunscrito a alguns amigos que trabalhavam na Vista Alegre e na zona do Cais do Sodré. Mais tarde e com o desmanchar da tenda, tem vindo a aglutinar-se em torno de duas raizes familiares – Pinto Basto e Figueiredo. Mantém-se assim a ressonância da Vista Alegre e reforçaram-se os laços com os Figueiredos sediados em Santo Amaro de Oeiras. Mas convém não esquecer o grande mentor destes encontros, o Francisco Quintella Gaivão, mais a sua Bé-Seguro, que vem determinando a geografia do repasto. Por isso este ano foi escolhido o Varunca, no coração de Santo Amaro, casa aprovada e a repetir no próximo ano.
Feita a história, regresso em rima ao jantar, um verdadeiro teste de amizade duradoura:
- Os temas são sempre iguais, o vinho a abrir e fechar, os piropos entremeiam com conversas de embalar, o jarrinho está vazio, há muita gente a penar! Mas o momento da noite é o Tocas a discursar! Dispara sempre em primeiro para o Quintella Manuel que normalmente devolve para o Bé ripostar. O Gaivão não é de modas e pega-se com o Figueiredo que é rápido a afinar. Entretanto sobram bocas, faltam travessas de resto, batatas e entrecosto, a mesa já está a arder e todos querem malhar! O Mexia puxa a braza, quer saber das novidades! Engulo a isca depressa com medo de me engasgar! O Xavico em meu auxílio, Tocas sobe de tom, os clientes assustam-se, vernáculo de ponta a ponta, até que alguém pede a conta!
Contas boas de fazer, entre amigos é assim, um Bom Natal para todos e não se riam de mim.

quinta-feira, dezembro 11, 2008

“Depois deles, o dilúvio”

“Para que serve este sistema de ensino? Para diminuir as desigualdades, não. Para fazer crescer a riqueza, também não.

Os professores portugueses não se cansam de nos surpreender. Há uns meses, descobrimos que já não estão à altura de impedir um aluno de usar o telemóvel durante a aula. Nas últimas semanas, porém, ei-los na rua a provar que ainda chegam para fazer recuar um governo.
A questão é inevitável: que pensar de um sistema de ensino onde os professores têm aparentemente mais força para submeter um ministério do que para manter a disciplina nas salas de aula? Que talvez não sirva para aquilo que deveria servir, mas que serve certamente para outras coisas.
Entre o telemóvel de Março e a greve de Dezembro, o actual sistema de ensino deu-se a conhecer em todo o seu esplendor. Os alunos não respeitam os professores porque sabem que, numa escola que se quer "inclusiva" a todo o custo, nada de sério lhes pode acontecer, por pior que seja o seu comportamento. Os professores, pelo seu lado, não respeitam o ministério porque percebem que o objectivo da actual equipa governamental não é transformar o sistema, mas apenas obter mais com o mesmo - e que portanto lhes basta não preencher as fichas, para tudo parar. O presente regime de ensino faz a fraqueza subir pelo sistema acima: os alunos têm a força que falta aos professores, e os professores a força que falta ao ministério. Como já toda a gente compreendeu, porque os representantes dos professores fizeram questão de explicar, a questão não é esta avaliação, mas qualquer avaliação, seja qual for o modelo, que tenha como princípio diferenciar os professores. Os líderes da resistência à avaliação têm uma ideia do que deve ser a classe profissional que dizem representar: uma massa igualitária e anónima, onde ninguém se distingue e ninguém é responsabilizado pelo resultado do seu trabalho. Os alunos abandonam a escola, falham nos exames nacionais e deixam péssima impressão nos testes internacionais? Segundo os delegados da classe docente, nada disso tem a ver com as escolas e os professores, mas com a "sociedade". É uma tese curiosa. O país, através do Estado, gasta o que tem e o que não tem no ensino. E os agentes desse ensino vêm agora confessar, na cara dos contribuintes, sem complexos, que quase não faz diferença: quem tem de aprender, aprende; e quem não tem, não aprende. As estatísticas confirmam: para se garantir êxito escolar, convém ter pais da classe média, viver nas urbanizações do litoral, e frequentar uma escola privada. Para que serve então esse sistema que, conforme nos prometeram, ia distribuir oportunidades a todos e transformar-nos numa Finlândia com sardinha assada? Para diminuir as desigualdades, não. Para fazer crescer a riqueza, também não. Serve para isto, segundo os porta-vozes dos professores: para ajudar mais de 100.000 portugueses a fazer uma experiência sociológica única - uma vida profissional sem hierarquias, sem obrigação de sucesso, e que seria talvez perfeita, não fossem os alunos e os seus telemóveis.
Durante anos, os licenciados da Europa de leste que empregámos como serventes de pedreiro deveriam ter-nos provado que as credenciais académicas, só por si, não salvam ninguém. Os nossos licenciados, porém, só ultimamente começaram a rimar com desempregados. É que, durante muito tempo, o Estado lá os foi encaixando: a uma parte, aliás, como professores. A classe docente, numerosa e relativamente bem paga, é provavelmente ela própria o principal produto do investimento na educação em Portugal: antigos estudantes dos cursos de apontamentos e fotocópias, que o engenho nacional fez multiplicar, e a quem por via do Orçamento do Estado se deu um lugar à mesa da classe média. Subitamente, eis que os Governos diminuem os lugares e o actual ministério vem com exigências que não constavam do contrato original. A tribo, como é compreensível, saiu à rua para zelar pelas suas prerrogativas ancestrais. O sistema é uma grande pescada de rabo na boca, em que a pescada tentou dar ultimamente uma dentada em si própria. A intransigência professoral expressa uma grande tentação: a tentação de todos os instalados nos "sistemas" estatais ou protegidos pelo Estado resistirem a quaisquer mudanças, na esperança de que o regime actual aguente, na forma em que o conheceram, pelo menos até ao momento de poderem escapar-se com a devida pensão de reforma. A maioria, na meia-idade, nem precisa de muito tempo. Depois, que venha tudo, até o dilúvio: já hão-de ser as gerações mais jovens a penar. No caso dos professores, ficarão assim vingados dos alunos que agora os atormentam nas aulas. No que não deixará de haver uma certa justiça.”

Rui Ramos – Historiador

Com a devida vénia in Jornal Público de 10/12/2008.

quarta-feira, dezembro 03, 2008

Asas imensas

'Nas asas de um sonho rasgaste oceanos com génio e coragem,
E num certo sentido tu foste o primeiro no fim da viagem …'

Aqui estou companheiro na hora triste da poesia, para que o poema se cumpra, e floresça lá longe nos campos verdes de esperança.
Aquele a quem fazias questão de tratar por ‘mestre’, numa singular afirmação de nobreza, não esquece as asas imensas que rasgavam os teus sonhos, órfãos, filhos de outro interregno. Lugares escondidos na alma, frases que o tempo caduca, os versos que em vão buscavas, hás-de encontrá-los agora, acabou a tua luta.

Em memória do ‘Paulo Santinho’, amigo e comentador neste interregno.

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Independência

Caderno P2
Jornal PÚBLICO - 01 de Dezembro de 2008


Se houver uma grave crise, ninguém acredita que a democracia a resolva

01.12.2008, Autor do texto

A monarquia está mais bem preparada para enfrentar as crises. A república é responsável por um ciclo de instabilidade e atraso no país. O 25 de Abril foi o pior que podia ter acontecido. Criou uma democracia frágil. Se a crise se agravar, o povo não acredita que o actual regime a possa resolver. Numa estranha sintonia com as recentes declarações da líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, D. Duarte teme que, se houver falta de combustíveis e de alimentos, as pessoas possam ir para a rua exigir um regime totalitário. Paulo Moura (entrevista) e Daniel Rocha (fotos)

Todos os anos, no 1º de Dezembro, o herdeiro da Coroa portuguesa faz uma comunicação ao país. Hoje, D. Duarte de Bragança falará das oportunidades que a crise económica e financeira traz a Portugal para repensar as opções do regime e as atitudes mentais. É preciso ser menos consumista, dar mais importância à ecologia, à autonomia agrícola, aos valores permanentes. E também à independência nacional. É por isso que o pretendente do trono escolheu o 1º de Dezembro para o seu discurso - porque o Presidente da República não o faz.

.Porque faz sempre um discurso no 1º de Dezembro?
.Quando o meu pai morreu, muita gente me pedia para explicar as minhas posições sociais e políticas. Comecei a fazê-lo no 1º de Dezembro.
.Porquê essa data?
.Criou-se a ideia de que a nossa independência não é necessária. De que podemos depender dos outros, seja da União Europeia, seja dos americanos ou dos espanhóis. E até que seríamos mais bem governados se o fôssemos por outros.
.Isso é uma tendência recente?
.É um pensamento que data de 1910. O núcleo duro da revolução tinha como objectivo a União Ibérica. É por isso que o vermelho da bandeira portuguesa, que representa a Espanha, é maior do que o verde, que representa Portugal. E ainda hoje há quem pense assim, até alguns ilustres escritores, que deveriam ter mais juízo.
.Mas porque cabe aos monárquicos defender o patriotismo?
.Porque não vejo mais ninguém a fazê-lo. As associações dos antigos combatentes celebram o 10 de Junho, o Presidente da República comemora o Ano Novo, e o 25 de Abril, e ainda há alguns que vão ao cemitério do Alto de São João celebrar o 5 de Outubro.
.O Presidente da República deveria fazer um discurso no 1º de Dezembro?
.Sim. Se o fizer, deixo de fazer o meu.
.A monarquia é o último reduto do patriotismo?
.O último não. O Partido Comunista também é muito patriótico.
.O que há de comum entre as duas forças?
.Um certo idealismo próprio de quem adere a movimentos políticos que não dão compensações, que não dão emprego. Se um dia houver em Portugal um referendo e ganhar a causa monárquica, os movimentos monárquicos deixam de existir.
.Quem está nos grandes partidos é sempre por interesse?
.Os partidos deveriam fazer um trabalho de formação doutrinária. Digo muitas vezes aos meus amigos do PS, por exemplo, que é fundamental debater a doutrina. Para que serve hoje em dia o socialismo?
.Acredita no socialismo?
.Acredito no socialismo cooperativista, como era definido no século XIX, por Antero de Quental, ou António Sérgio.
.Poderia ter aplicação hoje em dia?
.Podia. Veja um caso concreto. Qual é hoje o sector bancário que não está em crise? O crédito agrícola. Por ser cooperativista, mutualista. O Montepio é a mesma coisa, não teve crise. São mais abertos, têm muita gente a dar opinião, a acompanhar o que eles fazem. O Crédito Agrícola é propriedade de centenas de caixas agrícolas espalhadas pelo país. Eu sou o presidente da Assembleia-Geral da Caixa Agrícola de Nelas, e temos uma participação na caixa central. Representamos mais de um milhão de portugueses, mas não nos ligam nenhuma, a nível político.
.O PS devia estar mais atento a essa realidade?
.Sim, porque o pensamento socialista original em Portugal era esse. Se o cooperativismo estivesse mais desenvolvido, vários factores beneficiariam muito.
.Mas essas empresas podem ser competitivas?
.Na Holanda, na Áustria, na Suíça, na Alemanha, na Escandinávia, grandes organizações empresariais são cooperativas. O maior banco da Holanda é uma cooperativa. Em França, o maior banco é o Crédit Agricole. Mas estas empresas têm um inconveniente: não dão tachos a ex-ministros. Nem financiam campanhas eleitorais. Por isso não são muito simpáticas.
.Noutros países, é reconhecida outra importância às famílias reais?
.Depende. Em repúblicas como a França tem pouca importância. Na Europa de Leste tem mais, talvez porque se lembrem de que o último período em que tiveram paz e democracia foi com um rei. Na Sérvia e no Montenegro, as famílias reais vivem nos palácios reais.
.De que são proprietários?
.Foram nacionalizados e depois devolvidos à família.Em Portugal não aconteceu assim.Em Portugal não devolveram nada. Vila Viçosa é o caso mais escandaloso, porque pertencia à família desde antes de 1640. Quando D. João IV foi aclamado Rei de Portugal, separou os bens da família dos bens do Estado. Os irmãos e filhos do rei sustentavam-se a partir dos bens da família. Só o rei e a rainha viviam do orçamento de Estado. O Palácio da Ajuda ou de Queluz pertencia aos bens da coroa. Vila Viçosa pertencia aos bens da família. A tomada de posse dessa propriedade pelo Estado, no tempo de Salazar, foi completamente abusiva.
.Quando voltou do exílio, não recuperou nada?
.A Assembleia Nacional votou o fim da lei do exílio e nós voltámos a Portugal, mas o Estado não nos devolveu nada. Durante algum tempo, o meu pai viveu numa casa emprestada pela Fundação de Bragança. Em 1975 foi posto fora.
.Acha que devia ter uma pensão do Estado?
.Não. Isso retirava-me a independência, para a minha acção política. Embora, quando faço missões pelo mundo fora, o faça em colaboração com o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
.Que missões são essas?
.Neste momento, tenho um programa de desenvolvimento ambiental agrícola na Guiné-Bissau, outro em Angola, de introdução de novas técnicas de construção civil, outro em Timor. Estou a iniciar um projecto de ensino da língua portuguesa nos países que aderiram agora à lusofonia, como o Senegal, a Guiné Equatorial e as Ilhas Maurícias.
.Como escolhe as missões?
.Quando vejo uma oportunidade que possa ser interessante, proponho ao MNE. São sempre no campo das relações externas, geralmente com países com que Portugal tem relações fracas, como foi o caso da Indonésia, durante algum tempo, ou são hoje os países árabes.
.É respeitado nos países árabes?
.Quando estou numa monarquia árabe sou descendente do profeta Maomé.
.Porquê?
.A rainha Santa Isabel era descendente de um príncipe árabe que era descendente de Maomé. Por isso, a minha posição é completamente diferente da de qualquer embaixador da república portuguesa.
.Isso é reconhecido em todo o mundo árabe?
.É. Mas quando estou em Israel digo que o D. Afonso Henriques era descendente do Rei David. Aliás, aconteceu uma coisa curiosa, nesta última viagem a Jerusalém: o chefe dos sefarditas contou-me que D. Pedro II do Brasil, bisavô da minha mãe, tinha visitado Israel e falava fluentemente o hebreu.
.Esse respeito de que é objecto em todo o lado deve-se a pertencer a uma família aristocrática?
.Não. Não tem nada a ver com aristocracia. É por ser o chefe de uma Casa Real. O imperador do Japão, por exemplo, recebeu-me na biblioteca, coisa que só faz com a sua família.
.Também é da família dele?
.Não. Mas aconteceu uma coisa engraçada. No fim, o imperador veio à porta despedir-se de mim, o que também só faz com parentes. O motorista do táxi viu e foi contar no hotel. Quando cheguei lá, tinha os directores à minha espera, pedindo-me licença para me instalarem numa suite especial, porque viram que o imperador me tinha tratado como família.
.É como se as famílias reais fossem todas uma grande família.
.Sim. É uma família espiritual.
.Mas porque faz essas missões? Não tem obrigação nenhuma.
.Sinto que o facto de ter nascido nesta família me dá uma obrigação moral para com o meu povo.
.Sente isso desde criança?
.Sim. Já o meu pai fazia o mesmo. O próprio D. Miguel, ou D. Manuel II, quando exilado, passou a vida a dedicar-se a Portugal. Foi visitar os soldados portugueses na frente de combate, conduziu, ele próprio, uma ambulância na I Guerra Mundial, em zonas perigosas.
.Mas sente essa obrigação em relação a quem? Aos seus antepassados?
.Acho que é em relação a Deus. Se nasci numa determinada família, tenho perante Deus a obrigação...
.O poder dos reis vem de Deus?
.Há uma grande confusão histórica quanto a isso. Os reis protestantes que quiseram tornar-se chefes das igrejas dos seus países criaram a ideia de que o poder real é de direito divino. A doutrina católica é diferente: todo o poder tem origem em Deus, mas chega-nos através do povo, não é arbitrário. O povo é que delega no rei o poder. É por isso que em Portugal o rei só era rei depois de aclamado pelas cortes.
.No seu caso, não foi aclamado.Pois não.
.Mas considero que o chefe da Casa Real fora do seu cargo continua a ter as obrigações morais que teria se estivesse em funções.
.Ser rei é a sua profissão?
.Tive várias oportunidades de trabalho, mas não aceitei, porque, na minha condição, não poderia ser empregado de ninguém.
.Ofereceram-lhe empregos?
.Sim, propuseram-me cargos de administrador em bancos (ainda bem que não aceitei, senão agora estaria preso). Não aceitei porque perderia a minha independência.
.Ocuparia muito do seu tempo.
.Não foi por causa disso, porque os administradores dos bancos não fazem nada. Mas, na minha posição, se eu trabalhasse numa empresa, como assalariado, as minhas opiniões estariam condicionadas, não teria credibilidade.
.Um assalariado não tem liberdade de expressão?
.Devia ter, mas nem sempre é possível.
.Nunca lhe passou pela cabeça ter uma carreira profissional?
.Cheguei a pensar abrir um hotel na Guiné, ou em Timor. E estive para ficar na Força Aérea, em Angola, nos anos 70. Gostei muito. Poderia ter sido militar de carreira. Provavelmente teria sido saneado no 25 de Abril.
.Ou poderia ter sido um capitão de Abril.
.Sim, mas daqueles que depois foram corridos pelos comunistas.
.Porque não ficou então na Força Aérea?
.Achava errada a forma como as Forças Armadas estavam a ser conduzidas. Fui expulso de Angola em 1972, porque organizei uma lista de candidatos da oposição ao Parlamento português. Muitos dos meus apoiantes eram africanos negros. Se ganhássemos as eleições, teríamos um grupo de deputados na Assembleia Nacional que discordaria do Governo mas seria contra a independência.
.Foi expulso por causa disso?
.Sim, porque o Governo de Marcelo Caetano estava a preparar um golpe de independência em Angola, apoiado pelos EUA e a África do Sul, para obter uma independência tipo Rodésia...
.A sua lista poderia ter ganho?
.Sim. E o impacto internacional teria sido incrível, porque se veria que o verdadeiro movimento de oposição em Angola não são os guerrilheiros independentistas. Querem justiça, desenvolvimento, progresso. A independência, logo se veria. O MPLA e a UNITA achavam que Angola não estava ainda preparada para a independência. Precisavam de mais tempo.
.Os movimentos de libertação teriam desistido da luta?
.Não. Mas tive apoios discretos deles. Se o nosso movimento tivesse tido êxito e a evolução política de Angola tivesse sido positiva, talvez se tivesse chegado a um acordo com esses movimentos. Tornar-se-iam partidos políticos, iriam a eleições....
.E em Portugal não teria havido 25 de Abril.
.Exactamente. Não teria sido preciso.
.Teria havido uma transição pacífica?
Acho que sim. O próprio Marcelo Caetano poderia ter conduzido essa evolução.
.Teria sido benéfico para Portugal?
.O pior que poderia ter acontecido a Portugal foi a revolução. As nacionalizações, as ocupações, a destruição do sistema bancário atrasaram a nossa economia pelo menos 10 anos. Nessa altura, estávamos mais avançados economicamente do que a Espanha. Depois passámos para trás.
.A revolução não foi importante para mudar mentalidades?
.Nas mentalidades, a revolução trouxe a ideia de que todos temos direitos e não temos deveres.
.Ainda não recuperámos disso?
.Temos milhares de pessoas a viverem do Estado sem fazerem nada, temos 25 por cento de pobres.
.Antes da revolução já tínhamos.
.Em termos absolutos era pior. Mas passaram-se 30 anos. Em termos comparativos com o resto da Europa, estávamos melhor do que estamos hoje.
.O atraso que temos é herdeiro do 25 de Abril?
.É sobretudo herdeiro de 1910. Se o rei D. Carlos não tivesse sido assassinado, não teria havido a revolução republicana. A nossa monarquia teria evoluído democraticamente como as outras. A revolução de 1910 atrasou Portugal muitos anos, e teve como consequência a revolução do Estado Novo de 1926.
.É um ciclo de desgraças.
.Sim, de atrasos no desenvolvimento português. E agora, mais uma vez, se houver uma grave crise, ninguém acredita que a democracia a resolva. As pessoas vão dizer que querem um militar que tome conta de nós.
.Isso lembra o que Manuela Ferreira Leite disse recentemente. A grave crise pode, de facto, acontecer? Pode acabar com a democracia?
.A educação democrática em Portugal é muito fraca. As pessoas ainda não perceberam qual é o papel dos partidos e do Parlamento. Se houver uma crise grave, com fome, pilhagens, tudo isto vai por água abaixo. Basta que, por um acto terrorista, não recebamos petróleo, que por causa de greves, ou distúrbios, a importação de produtos alimentares seja suspensa. Somos completamente dependentes. Pode haver centenas de milhares de pessoas a manifestarem-se por uma intervenção totalitária dos militares, ou do Presidente.
.Como é que o regime impede que se chegue a esse ponto?
.É preciso que a democracia seja participativa. Devia haver referendos, a sociedade civil deveria participar das decisões. As pessoas não deveriam apenas depositar o seu voto numa urna (este nome não augura nada de bom. Geralmente, o que está na urna são os mortos). As organizações ecologistas, por exemplo, deveriam ter milhares de colaboradores...
.As monarquias são mais sensíveis à causa ecologista...
.Sim, porque defendem os valores permanentes.As próprias famílias reais são permanentes. No poder as monarquias são mais ecológicas porque estão mais próximas da natureza humana, que é baseada na família.
.As repúblicas são contranatura?
São. As repúblicas são contranatura. Excepto aquelas repúblicas muito tradicionais, como a Suíça, ou os EUA, onde, de algum modo, elegem um rei.
.O Presidente americano é um rei?Sim. Esteve mesmo para ser rei. E tem mais poder do que algum rei tem hoje em dia.
.Hoje não é o poder que faz um rei.
.Não, mas é um rei dos antigos.
.Em Portugal as pessoas também querem que o Presidente seja um rei?
.Querem. Ramalho Eanes, quando terminou o mandato, disse: tentei agir como um rei constitucional, porque é assim que os portugueses querem a chefia de Estado.
.Estar acima dos partidos, representar o povo directamente, ser conciliador...
.Exactamente. Representar os valores permanentes.
.O Presidente em Portugal é um rei disfarçado? A verdadeira república deveria ser parlamentarista?
.Sim. Mas o Parlamento é que decidiu ter um chefe de Estado que fizesse aquilo que o rei fazia antigamente.Mas sempre que o Presidente faz alguma coisa, discute-se quais devem ser os seus poderes. Quando Jorge Sampaio dissolveu a Assembleia, chegou a dizer-se que o fez para justificar a existência de um Presidente.Fez aquilo de uma maneira completamente abusiva. Tinha uma maioria estável no Parlamento. Só o fez porque o seu partido tinha uma posição confortável nas sondagens. Nenhum rei teria dissolvido a Assembleia.
.O Presidente tem ele próprio uma legitimidade eleitoral.
.Há um choque entre duas legitimidades. Essa é a razão da instabilidade das repúblicas. O Presidente representa sempre um partido, ou grupos de interesses. Só um rei está acima disso. Por isso nas monarquias há muito menos corrupção. Um rei não está pressionado. Não precisa.

quinta-feira, novembro 27, 2008

Avariado

Tive o disco avariado, felizmente consertado, bem virado e revirado para tocar a mesma música. Entretanto ando arredado da política do país, da notícia do jornal e nem a crise geral me acordou para a vida, oiço apenas uns zuns zuns que confirmam os rumores que o interregno alertou e que passo a resumir: - o regime já pifou!
.
Exemplos temos aos montes:
1. O tic tac não muda, é novela nacional, agora são os banqueiros, escolhem um deles e então, tentam provar à nação que ninguém escapa à justiça! É mentira digo eu, escapam laicos e maçons, republicanos de gema, com eles escapa o regime, e se alguém é chamuscado logo acorre em seu auxílio o processo salvador, o incidente matreiro, assim haja advogado e muito, muito dinheiro;
2. O Cavaco também não – imaginem o coitado que deposita onde pode, onde rende pois claro, e a inocência era tanta que pensei na Dona Branca;
3. A educação manifesta-se, não quer ser avaliada, nunca foi, porquê agora?! Aconteceu alguma coisa?!
4. A Manelinha faz contas mas não sabe matemática, ditaduras de seis meses são fruto da imaginação! O povo quer mais que isso e vai falando (e rezando) no santo de Comba Dão!
No meio da confusão o interregno pergunta: mas o regime não conta para encontrar solução?!

Saudações monárquicas

terça-feira, novembro 18, 2008

A ode do contentor

"Sózinho no cais deserto, naquela manhã de Verão..."
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Entretanto interrompida
Pela pressa do governo
A febre dos contentores
A habitual concessão
Em Alcântara onde nasci
Destroçada pela ponte
Onde o Prior se bateu
Contra o Alba que venceu
Querem encher a ribeira
No vai e vem das marés
Os sete rios que ali correm
Com projectos de alcatrão
E nada demove esta gente
Fiel ao deus financeiro
Abusadores impolutos
Navegadores de caneiro.

sexta-feira, outubro 31, 2008

Dois Magalhães para Espanha

A história é conhecida, Sócrates resolveu aproveitar a Cimeira ibero-americana, a decorrer em El Salvador, para oferecer um computador Magalhães a cada um dos participantes.
Ora bem, sabendo que são 22 os países representados, e sabendo também que Portugal não ofereceu nenhum computador a si próprio, apetece lançar daqui uma adivinha – afinal quantos computadores ofereceu Sócrates?
Fiz a mesma pergunta no centro educativo onde trabalho e a resposta veio óbvia mas errada. Todos responderam 21. Claro que Sócrates ofereceu 22 computadores, tal como Lula o teria feito se fosse ele o ofertante. O vigésimo segundo computador, decerto o primeiro, foi naturalmente entregue ao Rei de Espanha. Zapatero recebeu um computador pela representação dos interesses da Espanha na conjuntura; o rei, que torna compreensível a Cimeira, recebeu o Magalhães da História.
Fácil de entender.
E nós? Nós que somos o outro país ibérico colonizador, onde deixámos o nosso representante?! Aquele que justifica a participação?!
Triste e inutilmente, lá fomos em duplicado, mas a léguas de distância da representação inteira, cabal, com que a Espanha sempre se apresenta!
A história anda de facto à nossa procura… mas a gente tem vergonha… e esconde-se!
.
Saudações monárquicas.

quinta-feira, outubro 30, 2008

Eleições na América

É o assunto obrigatório, quem será o novo César!
E os portugueses andam preocupados com isso, parecem dependentes do respectivo resultado! Mas há excepções. Por exemplo, a minha cadela (que se chama ‘Bolacha’) está-se borrifando para as eleições americanas. Tem lá a sua vidinha e desde que não falte a ração tanto lhe faz que o próximo presidente seja o incolor Obama ou o candidato republicano mais a sua vice miss Alasca. É-lhe completamente indiferente. E eu nestas coisas até a compreendo – toda esta esperança nasce afinal de uma ficção política muito conhecida e que se repete entre nós a cada eleição presidencial, a saber : - o candidato vencedor gosta de dizer no seu primeiro discurso que é ‘o presidente de todos os portugueses’! A cadela não acredita nisto, e eu também não.
Mas muitos acreditam e transportam esta ficção para as eleições americanas pensando tratar-se da eleição do presidente do mundo e não do presidente dos Estados Unidos da América! E aqui começa o enredo e o engano – a verdade é que seja quem for o eleito também ele se estará borrifando para os interesses alheios, pois tem a sua própria agenda e escala de prioridades, que não anda muito longe disto: em primeiro lugar terá de satisfazer os interesses de quem lhe pagou a campanha; depois virão os interesses da potência imperialista que vem explorando e submetendo o planeta à sua voracidade; finalmente, conta com aliados submissos que lhe sirvam de escudo contra os inimigos que crescem ao ritmo das suas ‘proezas’.
Por isso, não espero nada de César, o que tivermos que fazer em prol da comunidade a que pertencemos terá de ser feito por nós, portas adentro. Quanto à minha vidinha (e da cadela) também terei de ser eu a olhar pelos dois.

Saudações.

quinta-feira, outubro 23, 2008

Ajudar a república

Vamos lá ajudar o regime a sair da crise, do beco sem saída em que se meteu, mas para isso é preciso acabar com este ‘jogo do empurra’, que consome e arrasa a nação, um jogo infantil em que as sucessivas repúblicas se vão justificando umas à outras – a terceira a garantir que nos libertou da ditadura da segunda, as saudades da segunda a reclamarem o fim da balbúrdia da primeira. Temos que acabar com isto rápidamente, porque não tarda virá uma quarta república (já se ouvem aliás os seus tambores) que dirá que nos vem libertar das crises internacionais que importamos e com as quais nos desculpamos! E terá por certo razão, como todas as outras, basta-lhe para tanto invocar a realidade insofismável – o fosso entre ricos e pobres não cessa de aumentar, e nesta matéria ocupamos as piores posições em todos os rankings!

Portanto o que há a fazer é o seguinte: em primeiro lugar temos que ser capazes de realizar um referendo, um acto terapêutico que nos liberte dos fantasmas do passado, e que ao mesmo tempo responsabilize os portugueses pelo regime que têm e que afinal escolheram. Não está em causa a vitória da república, que será natural, até esmagadora, o importante será o próximo passo – o que fazer com essa vitória?!
Assim responsabilizados, sem mais desculpas, governantes e governados serão obrigados a olhar para o futuro e se houver alguma lucidez (e humildade) estaremos em condições de nos reconciliarmos com a história, com a nossa história, feita de erros e virtudes, como é uso entre os homens.

Talvez então se imponham (a todos) algumas alterações na estrutura representativa, a benefício de Portugal, como por exemplo: atribuir a um rei e a uma dinastia a representação do vínculo histórico que nos une; incluir nessa representação as várias repúblicas (regiões autónomas que já existem e aquelas que poderão vir a existir) que compõem o universo lusófono; e de uma maneira geral seguir a lógica representativa dos valores que em determinada época se consideram permanentes.
Ao chefe de estado republicano caberia a restante representação, nomeadamente aquela que faz sentido corresponder aos anos do respectivo mandato.

E quem sabe se não descobriríamos (por alguma razão fomos descobridores!) que existe uma duplicação inútil no nosso sistema representativo (onde primeiro-ministro e chefe de estado concorrem na mesma legitimidade) e não suprimíamos um dos cargos!
Uma hipótese para o futuro, um futuro sem preconceitos políticos colectivos nem complexos de inferioridade individuais.

Saudações.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Mudar de vida

Prometo, não toco em nada, na crise que todos falam, prometo passar ao largo, mas se é global como dizem, se não vem da natureza, terei também que assumir a quota parte de culpa que me cabe neste transe, nesta parcela que habito, onde vivo e onde voto, nas coisas que não preciso e que compro sem poder, muitas vezes a dever, mas o pior é que faço do consumo a minha regra, e aumento sem saber a perversão que hoje existe, sem horizonte ou remédio, desligada da memória, desligados uns dos outros, recurvados no umbigo, perdeu a vida o sentido e moralista não sou.
Para obviar ao que digo vou olhar o firmamento, contar as estrelas do céu, descobrir nas madrugadas o cheiro que a terra tem e agradecer a beleza bem criada por Alguém! Faço parte deste todo, sozinho não sou ninguém. Para conseguir tudo isto eu só vejo uma saída – vamos ter que mudar de vida.

sexta-feira, outubro 10, 2008

A bolsa ou a vida!

Assim de repente, o mundo reduzido a uma escolha tão simples, nem sei que lhes diga, talvez a bolsa! Talvez a vida!

Não tive escolha, como não tinha bolsa tive que dar a vida! Depois levaram-me ao cimo de um monte e ofereceram-me a resignação. Lembro-me bem, estávamos nesse tempo a celebrar as exéquias do comunismo, o muro tinha caído, e diziam-nos que o mercado era a porta da felicidade. Não acreditei, mas já era tarde, executivos e gestores irromperam pela sala, apresentaram-me os números e fizeram-me sentir o inútil que sou. Estava a mais, e por mais contas que fizessem estava sempre a mais! Reagi, falei na produção, que a empresa era antiga e já tinha passado por outras tormentas… Meu Deus, o que eu fui dizer! Alvejado com nova rajada de números ouvi a temível previsão – a continuarmos assim estamos perdidos.
Saí com a noção patriótica de que se não saísse a empresa não se salvava.
Num último gesto de solidariedade despedi-me da telefonista prestes a ser substituída por um gravador de voz.
O mundo girou entretanto, a engenharia e euforia financeiras instalaram-se, os executivos foram enriquecendo mas a empresa foi empobrecendo.
Hoje está mal, não se recomenda. E, como as demais, espera ansiosamente por uma ‘mãozinha’ do Estado!

segunda-feira, outubro 06, 2008

Estranha sensação

Para que serve um blog?! Pergunta mil vezes repetida, com múltiplas respostas, eu respondo por mim: - serve para isto, para partilhar sentimentos com o desconhecido e alguns conhecidos, serve para falar sozinho, sem grandes esperanças e também sem grandes ilusões…
Dirão os mais argutos e graciosos: - serve para escrever disparates.

Ontem tentei seguir o diálogo na ‘câmara clara’ entre um monárquico e um republicano. Via um bocadinho e desistia, mudava de canal, voltava mais tarde e voltava a desistir, não que a conversa não merecesse atenção, eram dois historiadores que se conheciam bem, a troca de opiniões situava-se num nível intelectual elevado, em clima ameno, e pareceu-me que no essencial estavam de acordo – estas celebrações do centenário da república (ou da implantação da república) deveriam servir para pensar. O republicano queria pensar no que falhou na primeira república e o monárquico talvez quisesse pensar no que falhou na monarquia.
Mas eu desistia porque aquilo era triste e porque o tom desencantado de ambos confirmava os meus sentimentos. A verdade é que falhámos e as celebrações tratam disso mesmo – de um país falhado.
E andamos a justificar, a desculpar, a esconder algo que incomoda e nos separa irremediávelmente uns dos outros. Por isso, as palavras mansas já não me alegram, cavada no fundo da alma fica uma estranha sensação de distãncia de todo este aparato.
Repito, a data é triste, divide, e qualquer festejo é mais um passo no sentido contrário de Portugal.

sexta-feira, outubro 03, 2008

A casa da república

Lavra forte estupefacção pelo país surpreendido que ficou com os critérios de distribuição de casas que a Câmara de Lisboa vem efectuando, pelo menos, ao longo destes últimos vinte anos. Eu tenho menos dúvidas porque sei perfeitamente onde vivo e o que a casa gasta.
Com efeito, se recuarmos um pouco no tempo começamos a compreender que a Câmara de Lisboa é uma herança do partido republicano (e da maçonaria) que a conquistou em 1908 através de eleições livres e democráticas ainda na vigência da monarquia constitucional.
Foi a partir da Câmara que ‘treparam’ depois até à república própriamente dita, (os métodos são conhecidos) e foi do seu varandim que no dia 5 de Outubro de 1910 acenaram à multidão de ‘adesivos’ que acorreu à Praça do Município para saudar o novo regime.
De então para cá e especialmente depois de Abril de 1974 a Câmara voltou a ser trampolim ou via verde para o acesso a Belém, o que vem confirmar que continuou a ser ocupada (com as naturais excepções) por pessoas da mesma estirpe.
Portanto é lógico que os actuais herdeiros se sintam proprietários da Câmara e como qualquer proprietário agem em conformidade. Não têm que definir critérios, aquilo é deles e distribuem as casas a quem muito bem entendem. É costume, é legal e ponto final.
Como por outro lado também são proprietários da ética – a célebre ética republicana – não existe mais nada a acrescentar.

Saudações monárquicas.

terça-feira, setembro 30, 2008

O lado sombrio do centenário

A conferência de imprensa foi ontem na ‘York House’ cabendo a João Távora e Carlos Bobone, muito bem secundados por Inês Dentinho, apresentarem a plataforma monárquica para o centenário da República – um site e um blog para ajudar a restabelecer a verdade sobre este período da história portuguesa.
Dois espaços na internet cuja leitura recomendo, apesar de ser parte interessada.
Saudações monárquicas.

domingo, setembro 28, 2008

"Eu já vivi o vosso futuro"

Declarações do escritor, dissidente soviético, Vladimir Bukovsky sobre o Tratado de Lisboa

É surpreendente que após ter enterrado um monstro, a URSS, se tenha construído outro semelhante: a União Europeia (UE). O que é, exactamente a União Europeia? Talvez fiquemos a sabê-lo examinando a sua versão soviética.
A URSS era governada por quinze pessoas não eleitas que se cooptavam mutuamente e não tinham que responder perante ninguém. A UE é governada por duas dúzias de pessoas que se reúnem à porta fechada e, também não têm que responder perante ninguém, sendo politicamente impunes.
Poderá dizer-se que a UE tem um Parlamento. A URSS também tinha uma espécie de Parlamento, o Soviete Supremo. Nós, (na URSS) aprovávamos, sem discussão, as decisões do Politburo, como na prática acontece no Parlamento Europeu, em que o uso da palavra concedido a cada grupo está limitado, frequentemente, a um minuto por cada interveniente.
Na UE há centenas de milhares de eurocratas com vencimentos muito elevados, com prémios e privilégios enormes e, com imunidade judicial vitalícia, sendo apenas transferidos de um posto para outro, façam bem ou façam mal. Não é a URSS escarrada?
A URSS foi criada sob coacção, muitas vezes pela via da ocupação militar. No caso da Europa está a criar-se uma UE, não sob a força das armas, mas pelo constrangimento e pelo terror económicos.
Para poder continuar a existir, a URSS expandiu-se de forma crescente. Desde que deixou de crescer, começou a desabar. Suspeito que venha a acontecer o mesmo com a UE. Proclamou-se que o objectivo da URSS era criar uma nova entidade histórica: o Povo Soviético. Era necessário esquecer as nacionalidades, as tradições e os costumes. O mesmo acontece com a UE parece. A UE não quer que sejais ingleses ou franceses, pretende dar-vos uma nova identidade: ser «europeus», reprimindo os vosso sentimentos nacionais e, forçar-vos a viver numa comunidade multinacional. Setenta e três anos deste sistema na URSS acabaram em mais conflitos étnicos, como não aconteceu em nenhuma outra parte do mundo.
Um dos objectivos «grandiosos» da URSS era destruir os estados-nação. É exactamente isso que vemos na Europa, hoje. Bruxelas tem a intenção de fagocitar os estados-nação para que deixem de existir.
O sistema soviético era corrupto de alto a baixo. Acontece a mesma coisa na UE. Os procedimentos antidemocráticos que víamos na URSS florescem na UE. Os que se lhe opõem ou os denunciam são amordaçados ou punidos. Nada mudou. Na URSS tínhamos o «goulag». Creio que ele também existe na UE. Um goulag intelectual, designado por «politicamente correcto». Experimentai dizer o que pensais sobre questões como a raça e a sexualidade. Se as vossas opiniões não forem «boas», «politicamente correctas», sereis ostracizados. É o começo do «goulag». É o princípio da perda da vossa liberdade. Na URSS pensava-se que só um estado federal evitaria a guerra. Dizem-nos exactamente a mesma coisa na UE. Em resumo, é a mesma ideologia em ambos os sistemas. A UE é o velho modelo soviético vestido à moda ocidental. Mas, como a URSS, a UE traz consigo os germes da sua própria destruição. Desgraçadamente, quando ela desabar, porque irá desabar, deixará atrás de si um imenso descalabro e enormes problemas económicos e étnicos. O antigo sistema soviético era irreformável. Do mesmo modo, a UE também o é. (…)
Eu já vivi o vosso «futuro»…
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.Recebi este depoimento através de pessoa amiga e hoje é um bom dia para o publicar. Especialmente para quem se lembra dos acontecimentos de outro 28 de Setembro onde os abrilistas que nos governam se barricaram para, de punho erguido, "travarem o passo à reacção"! Infelizmente travaram o passo a Portugal.
Para quem não se lembra também não faz mal, porque a história repete-se, como bem lembra Vladimir Bukovsky.

quinta-feira, setembro 25, 2008

Sequência Filipina

Não é a prometida prova de vida, é um mero atestado, afinal o coração ainda bate, do mal o menos, como diria uma visita mais atenta desta casa. Aliás, salvo a ‘excitação Magalhães’ nem me parece que exista muita coisa para escrever! E à cautela vou esperar pelos ‘albuquerques’, computadores de outra geração, menos internacionais mas mais próximos do meu feitio.
Mas voltando à ‘sequência filipina’ - não se assustem, não é a má, é a boa, que foi anterior à má e muito anterior à próxima, que voltará a ser má – estou a falar dos versos escritos na sub-cave que evocam a rainha portuguesa que deu origem a isto tudo, inclusivé aos Magalhães. Está na hora de os fazer subir aos salões para ver se respiram um bocadinho. Uma versão para fado, fado português, nosso fado e meu fado:

Ah, és tu….
Rosa vermelha encarnada
Que um dia aqui aportaste
Vinda nas brumas do mar

Humano ventre chamada
Do Império que geraste...
Perdeste o fio à meada
Já não sabes navegar

Ah, és tu…
À procura de outra sorte
Outro rumo, outro norte
Que valha a pena alcançar

Sim, és tu…
Flor da roseira bravia
Rosa vermelha tardia
Porque chegaste tão tarde!…


Saudações.

sexta-feira, setembro 05, 2008

Lembranças da Casa Pia…

Este título tem ressonâncias com outro que fez cartaz num filme de César Monteiro, mas é essa a única semelhança. No mais, fica a memória de uma previsão anedótica feita no início do processo – as vítimas da Casa Pia ainda responderão em tribunal pelas suas queixas!
O óbvio num país onde existem pessoas acima de qualquer suspeita, onde a impunidade tem força de lei escudada nos enredos de um processo feito à medida dos poderosos. A originalidade de haver crime sem criminosos!
Mas isto é latim e ninguém está interessado nesta lenga- lenga, muito embora esbraceje todos os dias contra a insegurança em vigor, sem perceber (porque não lhe convém) a ligação entre uma coisa e outra. Mas ela existe, porque um poder fragilizado no compadrio transmite à população um mau exemplo, acabando por legitimar a transgressão permanente.
Não temos portanto um problema de leis ou de penas, mas temos um problema de coragem para aplicar as leis e as penas que já existem.

Post-Scriptum: Veja-se um exemplo de impunidade e compadrio ao nível mais rasca: - parece que se ‘esqueceram’ de levar à presença de um juiz o adepto do Benfica que invadiu o campo e apertou o pescoço ao fiscal de linha! Em resultado não houve quaisquer consequências para o homenzinho. Terá sido para branquear a violência no futebol?! Foi para não dar má imagem dos adeptos do Benfica?! Ou por outra razão ainda mais ridícula?!
Claro que a partir de agora ninguém tem legitimidade para punir actos semelhantes, encorajando assim os infractores. E quando acontecer alguma coisa mais grave gritam todos - aqui d’El Rei… e eu é que sou monárquico!

sexta-feira, agosto 22, 2008

Trégua olímpica

O interregno respeita a trégua milenar razão porque desvaloriza o conflito no Cáucaso, o regresso em força dos talibans ou a onda de insegurança que varre Portugal de norte a sul!
É verdade, vamos respeitar os jogos e assim continuaremos até que nos roubem a vida ou os bens, nomeadamente o computador que serve de instrumento de escrita.
E a trégua tem razão de ser pois tal como previ o triplo salto de Nelson Évora redimiu a nação!
O presidente já não se demite, os atletas deram o máximo para quem ganha tão pouco e afinal somos só onze milhões… mais os imigrantes, mais o império invisível que continuamos a carregar sobre os ombros.
A insegurança também não é assim tão grande, e se for, o governo há-de encontrar alguma solução estatística. Nada de alarmismos portanto.
Pior do que nós, coitados, estão aqueles que ainda não ganharam nenhuma medalha de ouro.

sábado, agosto 16, 2008

Diário Olímpico

“Peço desculpa aos portugueses porque estiveram a pagar para eu vir ao Jogos” – assim falou Obikwelu após ter falhado a presença na final dos 100 metros!
Este nigeriano que, recorde-se, trabalhava nas obras quando alguém se lembrou de o levar ao Belenenses, revelou nestas declarações a massa de que se fazem os campeões!
Que diferença de mentalidade em relação ao habitual!
Parabéns Obikwelu, não por teres perdido, mas porque és educado!

Saudações azuis.

sexta-feira, agosto 15, 2008

De manhã, caminha…

Vamos pôr isto em bom português: eu caminho, tu caminha, estamos em Pequim e de manhã o corpo pede caminha. Melhor seria: vamos a caminho de Caminha que ainda é minha porque fica no Minho?! Consultar para o efeito o tratado de Tuy.
Seja o que for, a olimpíada portuguesa continua em alta: - os malandros dos árbitros; eram só oito setas…; foi por centésimos…; estou a gostar muito; esta viagem é um prémio; a égua assustou-se com a televisão!
A mentalidade anti-competitiva (quantas vezes já me referi a isto!) a funcionar - desde pequenino a não torcer o pepino – perder é uma vergonha, foi assim que te ensinaram, não foi meu rico menino?!
Vergonha e medo, por isso não és do Belenenses, diz a verdade, o teu pai (ou o teu tio) ainda eram, mas tu já não tens coragem de ser.
Não procurem razões (nem escutem os entendidos) porque aqui está a razão porque no futebol (e no resto) só há adeptos de três clubes… e com tendência minguante. Que isto de ser ‘região de Bruxelas/Madrid’ tem os seus inconvenientes, como por exemplo deixar de ser País. E nas regiões não se organizam campeonatos nacionais. Estão a ver?!
Bem, mas estávamos nós na caminha em Pequim onde se fala mandarim que vem do nosso verbo mandar. “Quando ainda tínhamos verbos…”!*
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*Lamento de Teodoro a caminho da China - ‘ O Mandarim’ de Eça de Queiroz.

quarta-feira, agosto 13, 2008

Olimpíadas na segunda circular

As bandeiras estão içadas dos dois lados, o estádio ninho de pássaro existe, por ali não faltam terrenos para dar e vender, tudo se conjuga para que as próximas olimpíadas se realizem em torno daqueles dois baluartes do desporto nacional!
Não vamos dar importância aos pormenores – esqueceram-se de construir uma pista de atletismo?! Não há problema, os atletas vão treinar a Espanha, em última análise pede-se mais um sacrifício ao orçamento de estado. O que é preciso é que o atleta apareça na fotografia com a camisola e o emblema do ‘baluarte’.
E quando não existem nem secção nem atleta também não há problema – adquirimos o atleta nos pequenos clubes dedicados á formação. A publicidade e os impostos dos portugueses encarregam-se do resto.
E isso resulta? Não, mas o povo gosta disso.

Noutro registo - enviámos a Pequim a maior representação de sempre a uns Jogos Olímpicos e não é preciso ser adivinho para perceber que será também a maior frustração de sempre em termos de resultados. Não estou a falar de medalhas mas da simples expectativa que os atletas superem (ou ao menos igualem) as suas melhores marcas.
Infelizmente será mais do mesmo, com dois ou três super dotados a conseguirem o ouro e a prata que escondem a verdade do nosso desporto olímpico. E a verdade é amarga, pois tal como na política, os resultados desportivos não enganam - continuamos a divergir da Europa. E não é por falta de apoios estatais nem de propaganda!
Então porque será?!
A primeira parte deste escrito dá uma pista (olímpica) – e que tal apoiar fortemente o desporto escolar em vez de esbanjar dinheiro em clubes profissionais de futebol que, pese a boa vontade de alguns carolas, são aquilo que são – clubes profissionais de futebol.
O eclectismo de antigamente já não existe, nem pode existir. O que existe nos outros países europeus é um desporto escolar bem organizado, e a jusante, clubes por modalidade, onde os mais aptos podem desenvolver os seus dotes, sem estarem sujeitos aos interesses da indústria do futebol, e não só.
Assim talvez se inverta o nosso fado.

terça-feira, agosto 05, 2008

Sem título

Há dias assim em que apetece escrever sem motivo ou reflexão levado na corrente das ideias até que o pensamento retenha uma palavra um nome…
Soljenitsine é um nome difícil de pronunciar mais difícil porém foi sobreviver com esse nome!
Depois do exílio depois do livro que desmascarou o paraíso soviético depois de um longínquo ‘gulag’ reservado a dissidentes morreu pacificamente na sua terra.
Morreu sem alarido e nem depois da morte se desvendam os segredos que a mãe Rússia guarda em silêncio – o escritor não reconhecia a sua Pátria nas vestes de um modelo importado, advogava o regresso do Czar, o reencontro com a tradição, mas disso não interessa falar.
Para a posteridade Alexandre Soljenitsine.

sexta-feira, agosto 01, 2008

A crise republicana

A guerra surda entre a república (unitária) e as autonomias regionais produziu ontem mais um episódio insólito – numa inesperada comunicação ao país Cavaco Silva queixou-se do novo estatuto dos Açores (aprovado por unanimidade) alegando que lhe estavam a reduzir os poderes presidenciais.
Foi rápidamente secundado pelos partidos e personagens do costume e com as cambiantes conhecidas: - em romagem de saudade comunistas e centristas vieram em seu auxílio; no PSD fez-se um silêncio religioso; Sócrates pôs água na fervura; e o Bloco disfarçou com coisas mais importantes!
Porém não adianta desvalorizar o assunto porque estamos a falar do regime e da sua incapacidade para lidar com as autonomias regionais. Agora já não é o Governo que está no centro do conflito, é o próprio órgão Presidente da República que se ergue como força de bloqueio ao aprofundamento da autonomia e ao desenvolvimento regional!
Nestes termos não há que enganar - para um açoreano médio Cavaco Silva é um ‘inimigo’ dos Açores! E pela mesma bitola serão julgados os partidos que alinharem com o Presidente da República nas restrições à autonomia do arquipélago.
E tudo isto com eleições à porta!
'Os dados estão (assim) lançados' e não foi por acaso que esta semana o ideólogo do regime (o ex-Vital comunista) se empenhava tanto em lembrar a quinta república francesa, uma espécie de visão de um presidencialismo redentor!
Mas que o caso é grave, é sim senhor.
Talvez seja o fim do Interregno...
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Saudações monárquicas.

terça-feira, julho 29, 2008

Idade perigosa

Há uma idade perigosa para os homens, já não é aos quarenta, é mais tarde, quando querem afirmar uma juventude que lhes escapa inexoravelmente. Nesta fase, enquanto uns procuram no alterne a julieta dos seus sonhos, outros arvoram-se nos revolucionários que nunca foram e emitem pareceres em conformidade.
Começam aqui os problemas para o próprio, mas especialmente para quem os rodeia, surpreendidos pelo insólito comportamento destes eternos jovens!

Por exemplo, aplicada ao futebol a ‘doutrina Freitas’ era assim: - o árbitro resolve expulsar um jogador pelas razões (certas ou erradas) que entende; o jogador não se conforma, revolta-se contra a decisão e recorre ali mesmo para o plenário dos jogadores; o plenário decide então manter o jogador em campo e aproveita a oportunidade para suspender e substituir o árbitro!
O mesmo exemplo pode servir para ilustrar como funcionaria a ‘doutrina Freitas’ no caso do árbitro decidir encerrar o encontro invocando não haver condições para o mesmo prosseguir: nesta situação o capitão da equipa que estava a perder (ou a ganhar) reclamava para o plenário de jogadores, que suspendiam o árbitro e prolongavam a partida.

Portanto escusa o professor Freitas de escrever um livro, basta-lhe uma folha A4 para esclarecer o seguinte: o presidente do Conselho de Justiça da FPF tem ou não tem poderes próprios?! E nesses poderes incluem-se ou não dar início e pôr fim às reuniões por ele convocadas?! Assim como declarar o impedimento de um qualquer conselheiro?!
É que se tem poderes próprios pode naturalmente exercê-los com certeza ou erro, e das suas decisões (e enquanto durar a reunião) não cabe recurso para o plenário do Conselho de Justiça.
Se isto não é assim, então o presidente do CJ (ou de qualquer outro órgão similar) não tem poderes próprios e até o início dos trabalhos tem que ser votado pelo plenário dos conselheiros!!!
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Enfim… incongruências da idade.

sexta-feira, julho 18, 2008

Bem comum

Segunda-feira passada, no ‘prós e contras’, um belga que por cá casou e ficou (a ensinar filosofia), exaltava as nossas qualidades como povo mas admirava-se com a ausência de sentido do ‘bem comum’ entre os portugueses. E exemplificava com a resistência dos condóminos em contribuírem para as partes comuns do condomínio!

Sabendo-se que a noção de ‘bem comum’ é o cimento (e o impulso) que constrói as pátrias e que a sua ausência ou desvalorização, conduzem à extinção ou à dissolução das mesmas, não pude deixar de prestar atenção a tal depoimento, ainda por cima vindo de um observador privilegiado.

E digo observador privilegiado porque a existência da Bélgica só se compreende apelando à noção de ‘bem comum’, uma vez que estamos perante um estado constituído (fundamentalmente) por duas comunidades, flamengos e valões, com origens e idiomas muito diferentes, em tudo propensas à separação.

Esta separação não acontece (não aconteceu até agora) porque a noção de ‘bem comum’ prevalece, e prevalece, em minha opinião, porque tem uma representação política adequada. Na Bélgica, como se sabe, quem representa e garante o ‘bem comum’ é a monarquia, ou se quiserem, ‘o rei dos belgas’.

Aqui chegados, lembro-me que no referido programa, Fátima Campos Ferreira não resistiu e leu uma conhecida crónica de Eça de Queiroz onde este descreve o ‘estado da nação’ à época (finais do séc. XIX e finais da monarquia), retrato em tudo semelhante ao tempo presente. A mesma crise social, igual descrédito na política, na justiça, a desconfiança generalizada, com toda a gente a dizer mal de tudo e de todos.
E vivíamos ainda em monarquia, exclamarão (satisfeitos) os republicanos!

Dando de barato que o regime era monárquico, eu chamar-lhe-ía antes uma ‘república coroada’, torna-se necessário admitir que a noção de ‘bem comum’ é uma coisa e a respectiva representação política é outra. Normalmente (e de forma natural) coincidem em monarquia e só excepcionalmente (por períodos de tempo limitado) podem coincidir em república. Nunca coincidem, digo eu, quando as elites que detêm o poder impõem à população usos e costumes estranhos às suas origens e cultura. O ataque à Igreja Católica e ao catolicismo é neste aspecto recorrente.

Era portanto lógico que o divórcio entre o povo e a ‘elite afrancesada’ que chegou ao poder em 1820, se fosse aprofundando atingindo mais tarde por ricochete a própria instituição real. Hoje todos os historiadores vão nesse sentido, nomeadamente quando tentam explicar as causas do regicídio.

Podemos assim concluir que a noção de bem comum se fortalece nos caminhos da tradição, e esmorece sempre que o estado se afasta desses caminhos. Nesta ordem de ideias compreende-se que tenha sofrido forte abalo no período filipino; e que tenha recuperado com a restauração; também não foi bem tratada durante as razias de Pombal e decaíu muito no liberalismo; mas a machadada final no bem comum quem a deu foram os jacobinos republicanos, e curiosamente... invocando sempre o bem comum!

segunda-feira, julho 14, 2008

Restos de família

Não procurem aqui a verdade das ciências ou a fé das religiões, isto é um diário de emoções, são os instintos à solta e algumas necessidades cartesianas - opino, logo existo. Nada mais. Hoje preciso de falar na família, no conceito que herdei, que me dá jeito, e que Sócrates (o primeiro-ministro) também parece defender! Quem diria. Foi sem querer, eu sei, serviu apenas para denunciar a opositora, que não deu pelo anzol que o liberalismo mordeu e onde ainda se debate.
Manuela e Sócrates não se distinguem neste aspecto, filhos dilectos de Rousseau, ambos se conjuraram para destruir a família patriarcal, onde a comunhão e a solidariedade estavam presentes para além da consanguinidade. Para além da procriação. Era um conceito inclusivo e abrangente, não tinha a ver com os valores efémeros de cada época, consubstanciava uma realidade duradoura. Porém, a miragem do homem anjo, pré-familiar (!), as necessidades (comerciais) de conquista do poder pela burguesia, destronaram a família real - arquétipo e representação política familiar - e nesta contingência todas as famílias se desmoronaram.
Entre os escombros subsistem os restos do antigo agregado mas a confusão está instalada – a (avó) Manuela aprisiona a família na procriação enquanto Sócrates insinua abrangência para a contrariar! Mas não têm (não temos) sorte nenhuma, o mais certo é acabarmos a vida num lar, sem família por perto… sanguínea, ou outra.

sábado, julho 12, 2008

"O Estado da Nação"


O "Estado da Nação"? Basta olhar para a Assembleia, quieta e calada, para se perceber o "Estado da Nação". Em nenhum parlamento da "Europa" subsiste um partido como o Partido Comunista Português, que não deixou ainda a "guerra fria" e vê Portugal como o via em 1960. Com uma certa razão. O PCP não é, por assim dizer, o artifício de um fanatismo inexplicável e ridículo: é o produto arcaico de uma economia arcaica e de um Estado autoritário e monstruoso. Num país moderno não existiria; na eterna "modernização" de Portugal prospera.
Exactamente como o Bloco, que vem do mundo dúbio da heterodoxia marxista e se alimenta da pobreza letrada e de uma velha história, que só neste ermo, esquecido e miserável, continua. O PC e o Bloco são, segundo as sondagens, 20 por cento do eleitorado.
Fora isto, que já chega, há o "debate" entre os presuntivos representantes da democracia "burguesa". De facto, não há debate - de qualquer espécie. A oposição fala do atraso e da insuficiência do país, que naturalmente quase não varia, e atribui ao Governo a culpa dessa interminável desgraça. O Governo devolve a culpa à oposição, que já foi governo, e gaba os méritos das duas ou três coisas, que no meio da balbúrdia conseguiu fazer. Nunca, em tempo algum, se sai daqui. Assistir a uma sessão é assistir a todas. Nem as personagens mudam; e a realidade, essa, não penetra em S. Bento. Para os participantes neste ritual, a substância de uma questão ou de um argumento não contam. "Ganhar" é a afirmação de uma simples superioridade teatral ou da "esperteza" bronca e bruta, que "apanha" o próximo e que o indígena tanto estima.
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Em 1975, a Assembleia ainda sabia gramática e usava com alguma eficiência a língua portuguesa. Hoje papagueia sem vergonha os lugares-comuns da propaganda partidária ou perora num calão administrativo e "técnico", que se destina habilidosamente a esconder a verdade ou o vácuo. A tradição oratória, até a salazarista, desapareceu. Não há memória de um discurso organizado e claro, que tenha tido sobre a opinião pública um efeito profundo e duradouro. A Assembleia é um clube privado que, de quando em quando, a televisão mostra a um país mais do que indiferente.
O "debate" sobre o "Estado da Nação" da última quinta-feira exibiu involuntariamente o país como ele é: a indigência intelectual, a mesquinhez de propósito, a irresponsabilidade política. Daquela gente não se pode esperar nada.
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Com a devida vénia - Vasco Pulido Valente in jornal Público de 12 de Julho 2008.

O meu estado

Estou melhorzinho obrigado mas não foi o ‘pacote dos combustíveis’ que me aliviou. Posso até dizer que me passou completamente ao lado! Sabe vizinha o tempo da escola e do passe escolar já lá vai... Vivo em casa alugada, o IMI portanto não me diz nada. E pelos mesmos motivos não beneficio do aumento das deduções no IRS. Mas acabo por ter sorte: imagine a vizinha se eu era accionista daquela empresa que foi assaltada pelo Robin dos Bosques!
Visto assim, não foi chito!

quinta-feira, julho 10, 2008

Gémeos

São gémeos, são gémeos, gritava alvoraçada a jovem de peitos generosos que passa a vida na Assembleia da República! Mas ninguém se alvoraçou, as bancadas permaneceram indiferentes, já estão habituadas, não é a primeira vez que a mãe desta democracia desata aos gritos no Parlamento! Quem também falou nas parecenças entre os dois partidos que se revezam no poder, foi o analista político Joaquim Aguiar, afirmando que este facto impede a resolução dos problemas e agrava a doença nacional. Há quem conclua que o melhor seria admitirem as afinidades e fundirem-se (ou alguém que os funda) dando assim oportunidade à diferença (oposição) que os portugueses já merecem. Parto difícil, vícios antigos, e enquanto não se decidem assistamos ao eterno debate – o déficit é teu; não, não, o déficit é teu!
Saudações monárquicas.

terça-feira, julho 08, 2008

Conversas em família

Sempre foi assim, dirão os resignados! É verdade mas tem vindo a piorar como aliás era inevitável que acontecesse – só existem adeptos de três clubes, a comunicação social só fala de três clubes, o bolo das receitas televisivas vai quase todo para os três clubes, o poder público e o orçamento de estado apoiam escandalosamente estes três clubes e como o campeonato português, reduzido a três clubes, só pode dar prejuízo, a única salvação é o dinheiro da UEFA. Mas como cada vez temos menos hipóteses (e menos lugares de acesso) às competições europeias o dinheiro já não dá para os três, se calhar nem chega para dois, vai daí a guerra tremenda de sobrevivência, em que vale tudo e envolve todos. Uns por querer, outros sem querer.
A corrupção começa e acaba aqui.
Alguém está interessado em mudar isto?! Se estivesse… mudava primeiro o resto.

segunda-feira, julho 07, 2008

É a monarquia…

Não quero ofender ninguém mas afinal qual é a diferença entre Elvas e Badajoz, entre o Nadal e os tenistas que não temos, entre os Ronaldos que vamos tendo mas que só conseguem evoluir fora do país! Directos ao assunto, qual foi a diferença entre a ditadura de Franco e a ditadura de Salazar! E a diferença no salário mínimo…! Porque será que em cada dia que passa nos atrasamos em relação aos nossos vizinhos! Vizinhos que partiram para a normalização constitucional depois de nós! Vizinhos que deram um impulso decisivo na importância da cultura e da língua espanholas! Vizinhos que conseguiram impor o castelhano (sem acordos ortográficos) em todo o mundo!
E nós?! Porque estamos sempre de cócoras, divididos, irreconciliáveis, incapazes de nos organizarmos e progredirmos! Quem pode afinal mobilizar este país! E de onde vem esta desconfiança, esta baixa auto-estima que vai corroendo os melhores e só encontra saída… na emigração! Andamos a dar respostas vazias a estas questões há tempo de mais. O discurso dos ‘coitadinhos’ já só engana quem gosta de ser enganado, na minha opinião é um mero expediente para fugir à realidade, para não fazer nada, para manter uma cultura (e uma política) de irresponsabilidade.
O tamanho da Espanha também não serve de explicação porque a Espanha já tem esta dimensão na Europa há muitos séculos e a diferença de tamanho nunca foi embaraço para os portugueses, ao contrário, foi sempre motivo e incentivo para nos superarmos.
Qual é a diferença afinal? Porque correu Nadal a abraçar os seus pais e logo de seguida o Príncipe das Astúrias!
Porque sentem eles este calor, esta força! Porque os espanhóis têm algo em comum, que os une e mobiliza, chame-se a isso monarquia, rei ou dinastia, que é de todos… porque não é de nenhum.
É essa a diferença.

terça-feira, julho 01, 2008

‘Menino de ouro’

Foi lançada uma biografia de Sócrates (não confundir com o curriculum) escrita pela jornalista Eduarda Maio e estiveram na apresentação o ex-comissário Vitorino e o ex-ministro Dias Loureiro, que não pouparam elogios ao biografado. Fala-se que outras biografias se seguirão completando a vida e a obra do actual primeiro-ministro.
Não sei quando começaram as biografias de Salazar vivo, mas parece-me que já levava uns anos de chefe do Governo e alguma obra feita. Sei que a sociedade sem eternidade reclama a estátua em vida, não vá a eternidade esquecer-se e sabemos que para a celebridade hoje, basta ser célebre e depois logo se vê! Apesar de tudo continuo a achar um exagero tanta celebridade e prefiro que seja o tempo a encarregar-se de biografias e celebridades.
Feitios.

domingo, junho 29, 2008

Câncio sequestrada!

Leio Fernanda Câncio quando me quero fustigar inutilmente! Talvez porque estes dias de calor torturante convidassem ao sacrifício, confesso que li Fernanda Câncio. A ideia que tenho de Câncio atemoriza-me – penso que ela não me deixaria nascer, mas se conseguisse nascer, quando fosse muito velhinho, poderia decretar que o meu tempo expirou! Mas Câncio surpreende, Câncio compreende o drama dos senhorios que foram empobrecendo enquanto os inquilinos prosperavam. Câncio descobriu que a expressão proprietário tem no nosso país uma conotação pejorativa, que a lei acompanha e penaliza. Câncio contra a corrente condena o congelamento das rendas, o que é um bom princípio.
É sempre assim, quando esperamos o pior de alguém, enganamo-nos, e pode haver salvação. Por isso subscrevo Câncio:

“(…) Quando uma pessoa que paga 50 euros por uma casa onde pagou durante quase cinquenta anos uma renda ínfima se acha no direito de exigir/sugerir a realização de uma obra que custa pelo menos o equivalente a dez anos de rendas futuras e corresponde a práticamente todo o ‘bolo’ das rendas que pagou desde o início, surge óbvia a conclusão de que, para essa pessoa o senhorio é um serviçal. Condenado a servi-lo em penitência eterna por ter alguma vez sonhado que um investimento podia ter proveito, que ser proprietário podia ser rentável. O mais grave, porém, é que este delírio não pertence a um excêntrico isolado, mas a uma cultura generalizada e autorizada pela lei. Uma cultura que arruinou o centro das cidades e empobreceu milhares de famílias. Pudessem elas tombar os prédios nas estradas e paralisar o País, outro galo cantaria. Assim, resta-lhes servir a pena – e ter sentido de humor.”

Nem mais.

Fonte: “O sequestro dos senhorios” de Fernanda Câncio in DN de 27/06/08.

sexta-feira, junho 27, 2008

A dignidade da justiça

A dignidade dos tribunais é outra coisa. A segurança nos tribunais, outra coisa é. A justiça de fachada, os palácios da justiça, mesmo pronunciados em latim, são coisas deste género. Portanto, se percebi o alarido que por aí vai, é necessário proteger os juizes das cadeiradas dos réus, mas também é preciso proteger os portugueses da justiça que temos!
Neste ponto suscita-se um incidente para que o poder judicial possa endossar responsabilidades ao poder executivo, que naturalmente as endossará ao poder legislativo. O presidente da república fará então um discurso arbitral e apaziguador!
Mas nada disto tem a ver com a dignidade da justiça, essa conquista-se com outras armas, está no subconsciente dos cidadãos, é independente, e por isso não tem órgãos de recurso político-pártidários; é responsável, e por isso não se enreda num processualismo kafkiano; é rápida, e por isso vai a tempo de fazer justiça.
Sem justiça (ou com justiça à portuguesa) nenhuma sociedade pode evoluir e desenvolver-se. E se queremos realmente sair deste atoleiro precisamos de reformular todo o sistema político. Numa palavra, mudar de regime.
Aproveitem o centenário.

quarta-feira, junho 25, 2008

Moda de vanguarda

De vez em quando aparece um Antunes na televisão, são as elites que temos, aquelas que conquistaram o poder às outras, que o perderam, onde eu me revia, provávelmente pelas mesmas razões que levam agora os Antunes à televisão.
A história das sociedades humanas é assim, o mérito existe apenas na memória, no mais é luta pelo poder e a violência que isso custa.
Este preâmbulo tem a ver com a actual vanguarda europeia e com a sua indiferença pela vontade dos povos! Aliás a palavra ‘povo’ adquire neste contexto o seu verdadeiro significado: povo sou eu, porque não conheço nenhum Antunes e não tenho, por isso, qualquer possibilidade de alterar o que quer que seja. E mesmo que me deixem votar, hão-de obrigar-me a votar as vezes que forem necessárias até eu pronunciar um exausto sim!
De que vale então este escrito? Para quê resistir à inevitável ‘construção europeia’, processo aristocrático por excelência, como todos os processos históricos conhecidos?!
Vendo o meu peixe ao melhor preço: a sensação que tenho é que estas elites não fazem caminho para ninguém, estão deslumbradas pelo poder, não arriscam nada. As outras, ao menos arriscaram a cabeça! E perderam-na.

Nota Básica: Nada contra a família Antunes. O apelido é um mero exemplo.

segunda-feira, junho 23, 2008

O brilho da política

“Falhei, falhámos… há-que dizê-lo” e estas palavras ecoaram na sala de congressos com a grandeza das coisas simples! Angelo Correia ressuscitava a política e eu que olhava distraídamente para o televisor fixei-me no discurso de despedida do velho tribuno social democrata: “Saio de palco… mas não saio da política… continuo no PSD… ‘não viro casacas’… e se nos próximos combates precisarem de mim… chamem-me que eu vou… é disso que eu gosto”!
O congresso emocionado, eu também, a política sem emoção não é política.

sábado, junho 21, 2008

A geração dos euros

“Logo ao abandonar o estádio de Basileia, Cristiano Ronaldo disse aos jornalistas: “As possibilidades de ir para o Real Madrid são grandes.” Digo-lhe eu: “Nas tintas!” A última coisa que me apetece saber no enterro de um amigo é que um vizinho arranjou um emprego (ou uma namorada) do caraças. Nos enterros podem contar-se anedotas, para desanuviar, mas é de bom tom não falar de felicidades próprias. Mais, é de um grande topete! Já há dias, o seleccionador francês Raymond Domenech tinha escolhido os minutos a seguir à derrota da sua equipa para dizer, virado para as câmaras, à sua namorada: “Estelle queres casar comigo? Mas o que é que subiu à cabeça destas estrelas? Pensam que somos tansos que gravitam à sua volta? Não! Nós somos tansos que gravitam à sua volta enquanto eles pairarem nas alturas. Na hora da derrota esperem só duas atitudes: dos melhores de nós, um aborrecimento respeitoso; dos piores, um despeito e vontade de vos morder as canelas. Não esperem que com a alma amarfanhada abanemos a cauda de contentamento: “Olha, perdemos o Europeu mas o Cristiano lá vai para o Madrid!” Cristiano Ronaldo: dê-me uns dias para voltar a estar fascinado com o seu sucesso. Hoje, não estou.”

Com a devida vénia – Ferreira Fernandes in Jornal ‘O Jogo’ de 21/06/08.

sexta-feira, junho 20, 2008

Quartito azul…

“Quartito azul de mi primero amor…” são versos de um tango antigo, história de amor verdadeiro que guardamos sem saber. Corre veloz pensamento estrada fora como outrora e se o dia prometer não te esqueças de sonhar veleiros à beira rio viagens à beira mar!

quinta-feira, junho 19, 2008

“Por um dia fui irlandês!”

"A Europa do pensamento único não se pode queixar. Tem o que merece. A Irlanda-modelo, sempre referenciada como uma via de desenvolvimento a imitar, virou Irlanda-pesadelo. Neste referendo, os irlandeses disseram "não" à batota. Sim, porque é de sofisticada batota que se trata, depois de tantos e variados expedientes ao longo dos tempos. Aquando do "não" dinamarquês a Maastricht e do "não" da Irlanda a Nice, foi institucionalizada a prática do referendo pós-referendo, de maneira a dar uma nova e generosa oportunidade ao povo de se penitenciar perante o directório europeu. Tudo isto porque os eleitores do "não" (ao contrário dos do "sim"...) nunca estão suficientemente esclarecidos e por isso é necessário "educá-los" com mais referendos. Com a Constituição Europeia chumbada na Holanda e em França, a táctica mudou. Já não eram a pequena Dinamarca ou a Irlanda a bater o pé, mas a grande e soberba França. Por isso, em vez de um novo e punitivo referendo de resultado imprevisível, a solução foi um "novo" tratado, com a garantia de não se voltar a cometer a imprudência de dar voz aos eleitores. Por azar esqueceram-se não dos gauleses, mas dos irlandeses que, coitados, teriam que votar por obrigação constitucional. De início, a "Europa Única" estava descansada perante tão confortável margem das sondagens. Até se dizia, tranquilamente, que não havia plano B para um improvável "não" (em bom rigor, um plano C, pois que o B já se havia esgotado na esperteza de um tratado travestido). Finalmente, os irlandeses, que nunca foram militantemente eurocépticos como os ingleses e já haviam votado seis vezes antes sobre a Europa (cinco vezes "sim" e uma vez "não") tiveram a ousadia de rejeitar o tratado, numa consulta popular que ultrapassou em afluência todos os anteriores actos (cerca de 53%). Não deixa de ser espantosa a reacção dos grandes países e da Comissão. Dizer-se que o tratado não está moribundo é, em primeiro lugar, desrespeitá-lo, pois o que lá está escrito é que ou é assinado por todos ou não avança. Dizer-se que menos de dois milhões de eleitores não podem condicionar a vontade dos europeus é uma falácia, pois os outros povos não foram ouvidos e seria até provável que em alguns países se viesse a chumbar o tratado. Sentenciar-se que nestas consultas se vota mais a pensar na política nacional que na Europa é o argumento habitual para interpretar um "não", que todavia jamais vi referido para interpretar um "sim". Aliás, neste caso irlandês a quase totalidade das forças políticas no governo ou oposição estavam do lado do "sim" e nem se pode falar de um voto de protesto quanto à política interna. Inqualificável foi também a reacção de alguns líderes europeus (a começar pelo hegemónico eixo franco-alemão) ao repreender a Irlanda (recordam-se de algum puxão de orelhas aos franceses por ocasião do seu "não"?). A verdade é esta: o Tratado de Lisboa não exprime, ética e politicamente, um contrato envolvente, transparente e responsabilizador com os cidadãos. O tratado é uma charada quase indecifrável de remissões, excepções, alterações e repristinações que lhe retira um carácter desejavelmente comum e amigável. É um rendilhado técnico que introduziu 356 emendas aos 413 artigos do Tratado da UE e do Tratado sobre o funcionamento da UE, contém 13 Protocolos anexos com valor idêntico ao próprio tratado, mais 65 Declarações de Estados-membros relativas às disposições dos tratados! Uhf! Gostava de saber quantos deputados em Portugal terão lido tão vasta documentação aquando da ratificação parlamentar...Por tudo isto, a Europa do pensamento único não se pode queixar. Tem o que merece. Um voto "sim" numa consulta desta natureza implica uma explicação cristalina, transparente, acessível do que vai mudar. Na ausência de tudo isto, o "não" aparece como legítimo e natural. Com a agravante, na Irlanda, de ser perceptível que o Tratado de Lisboa favorece os Estados mais populosos e retira influência aos países mais pequenos.Um pouco de sensatez e humildade ficaria agora bem à ortodoxia europeia, de maneira a enxergar que afinal o problema europeu não é irlandês. É europeu! E, ironia das ironias, a Irlanda porta-estandarte do projecto de progresso, paz e democracia na Europa é agora quase convidada a uma separação. Tudo por causa do... povo se pronunciar livremente sobre um projecto de tratado que, no preâmbulo, refere a necessidade de "uma União cada vez mais estreita com os povos da Europa em que as decisões sejam tomadas ao nível mais próximo possível dos cidadãos" e no seu artigo nono que "a cidadania da União acresce à cidadania nacional, não a substituindo". Por medo, cobardia, apoplexia tecnocrática, diletantismo ou atestado de inferioridade conferido aos povos, o "gravy train" europeu não gosta definitivamente de dar voz aos cidadãos! Em Portugal, o Governo também mandou às malvas a sua promessa de "referendo popular, amplamente informado e participado"...Por tudo isto, e independentemente da minha posição de princípio pró-europeia, por um dia fui irlandês!"

António Bagão Félix
(Ex-Ministro das Finanças)

Fonte: Jornal ‘Público’ em 19/06/08.

terça-feira, junho 17, 2008

Eu alienado me confesso…

Confesso que nunca tinha assistido a um programa tão alienante e ao mesmo tempo tão divertido como aquele! E só não resisti à terceira parte porque achei o prolongamento desnecessário e sem qualquer influência no resultado final!
O tema era a selecção de “Madaíl e Scolari” e a proposta do ‘prós e contras’, destinava-se a averiguar se esta ‘selecção’ deve ser considerada um elemento de coesão nacional ou de alienação nacional!!! Ou assim, assim!
Antes de qualquer reflexão sobre o assunto é preciso dar os parabéns ao programa (e à sua apresentadora) porque cumpre na íntegra a função para que terá sido criado - relativizar e empacotar os problemas, ou seja, ‘fazendo média’ como dizem com muita graça os nossos irmãos brasileiros!
Outra questão prévia diz respeito aos convidados, uma selecção de luxo, aliás dentro daquilo a que o programa já nos habituou! Do lado dos alienados estavam o incontornável Daniel de Oliveira, sportinguista farto de bandeira (como eu o compreendo!), lado a lado com Salgado de Matos, sociólogo, confuso, e aparentemente sem clube! Em frente estavam os coesos, um optimista impossível de travar (e aturar) e um advogado do Porto, incréu, mas cheio de fé na selecção! Para treinadores de bancada, escolhidos a dedo, vieram o Miguel Gaspar dos jornais; uma senhora que eu não conheço, e dois jovens mais ou menos sábios. Pelos emigrantes falou um cônsul. Ou seria embaixador!
Passou um dia e se me perguntarem o que retirei do programa, eu respondo: nada.
Se insistirem muito eu talvez consiga dizer que a selecção de hóquei em patins do estado novo também servia para a coesão e para a alienação nacionais desse tempo. E servia para mais coisas, por exemplo, para ver jogar bom hóquei em patins, para incentivar o gosto pela prática da modalidade, para aumentar a competitividade cá dentro… do hóquei em patins.
E aqui está uma diferença substancial em relação a esta selecção (de futebol): ela não tem (não teve até agora) o condão de melhorar o futebol (e as coisas do futebol) cá dentro. Aparentemente está desligada e isolada para que nada de mal lhe aconteça! Não é a ponta de uma pirâmide, é apenas um instrumento de ilusão. Um brinquedo que não sabemos quanto custa!
Não era bem este o tema em discussão!…

sexta-feira, junho 13, 2008

Irlanda não é porreira!

Tudo leva a crer que o 'não' vença hoje na Irlanda deixando os tratantes de Lisboa à beira de um ataque de nervos.
Mal vista pelos ‘porreiros/pá’ nesta sua insistência (e obrigação constitucional) em referendar o Tratado, a Irlanda não quer ser empestada pelos abortos, eutanásias e casamentos homossexuais, o que para os burocratas de Bruxelas, para a esquerda unida e afins, é considerado um pecado mortal. E já vão avisando que o processo de ratificação ‘para lamentar’ irá prosseguir normalmente nos restantes estados da união, porque para os ‘porreiros’ a democracia tem que ser bem utilizada, ou seja, o povo só deve votar se ganharmos alguma coisa com isso.
Nesta base, a Irlanda está orgulhosamente só!

terça-feira, junho 10, 2008

Amanhã

Amanhã é o dia da raça lá em casa
Quem faz anos é a mãe da raça lá de casa
Amanhã somos todos da mesma raça
Falta o pai p’ra lembrar qual é a (t)raça

Neste dia pão e vinho concerteza
Quem vier tem lugar à mesma mesa
(Amanhã é o dia da raça lá em casa)
Porque a casa é da raça portuguesa.

(Variações sobre a ‘casa portuguesa’ nas vésperas do onze de Junho)

domingo, junho 08, 2008

Sobre a amizade

Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem de gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir a falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.
Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo.. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o enorme vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.
Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações da infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo, para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.
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Vinicius de Moraes - 'Procura-se um amigo'

quinta-feira, junho 05, 2008

“Benfica dentro Porto fora”

Este título explica tudo, escusam os juristas de se debruçar, os analistas de se justificar, os políticos de se conter (a segunda circular de se esconder) porque a verdadinha está toda ali. O resto é conversa de milhões e quanto toca a cada um.
Resulta daqui que a almejada justiça vai ter que esperar por melhor oportunidade, estamos apenas a assistir a mais um episódio da campionite norte/sul, que sobe de tom à medida que os ‘subsídios’ da UEFA se tornam decisivos para mascarar a falência técnica dos três ‘clubes do estado’. Curiosamente (e ninguém quer reparar nisso!) estes subsídios têm o mesmo efeito perverso (em Portugal) que os outros subsídios europeus, a saber: os da UEFA cavam o fosso entre clubes grandes e pequenos; os da UE cavam o fosso entre ricos e pobres!
Sendo assim, subscrevo-me parafraseando um conhecido ditado popular: por morrer um batoteiro a batota não acaba.

Registo de interesses: Azul sem riscas mas com memória.

Fonte: Título do jornal Record de hoje.

terça-feira, junho 03, 2008

Fico velho…

‘Não posso estar parado, fico velho…’ é letra de música portuguesa, talvez de um grupo chamado ‘além-mar’, que não corresponde, porque fui entretanto surpreendido pelo tempo e confesso alguma incapacidade para compreender tanto alarido. O segredo deve estar no movimento, ou na falta dele!
Por exemplo, o que leva cem mil pessoas a ouvir uma garça ‘cantareira’ que tropeça pelo palco! E é essa a noticia! A preço alto! Num país que vive (quase) exclusivamente do orçamento de estado, quem terá pago aqueles bilhetes? Pois, pois, o preço da gazolina e do arroz, já te dou o arroz…
Mudando de campo, qual será a vida daqueles milhares (milhões, se contarmos com a televisão) de portugueses que seguem o autocarro da selecção para toda a parte! Que dão vivas incessantes à selecção com medo que ela morra! E logo outra dúvida me assalta - como seria a sua existência se não houvesse selecção? E os emigrantes, coitados, que são tantos, meu Deus! O que seria deles sem o calor da selecção! Sem poderem encarar o patrão belga ou suíço com aquela convicção infantil – a minha selecção é melhor que a tua, bem feita.
Afinal qual é o teu problema?! São as cores da bandeira?! Não ligues, é feita na China e pelas cores deve ser chinesa. É por causa da alienação?! Que importa isso agora, se não fosse esta era outra. Olha, passou agora um autocarro laranja (que raio de cor!) vamos lá apoiar a selecção. Não podes estar parado, ficas velho...

sábado, maio 31, 2008

Será desta?!

A história partidária portuguesa só um milagre a pode alterar! Como diversas vezes referi, vivemos sempre em partido único, ora inclinado à esquerda, ora à direita, embora durante certos períodos existam dois partidos que se revezam no poder, mas como dizia o Eça, são tão parecidos, que apenas se distinguem porque os respectivos capatazes almoçam em sítios diferentes. Nestas condições, esperar por uma clarificação do espectro político partidário é pura utopia! Esse desiderato só poderia acontecer se uma das duas formações partidárias que se reclamam da social-democracia (PS e PSD) se fracturasse, levando a outra a desagregar-se. Dos escombros poderiam então nascer dois grandes partidos de poder, um conservador, à direita, e outro socialista/social-democrata à esquerda, aliás, à semelhança do que acontece nas democracias adultas.
Mas se calhar o problema é esse, nós não queremos ser adultos, há um pavor atávico em crescer, que nos tolhe os movimentos, as decisões… a não ser que o discurso (de derrota) de Santana Lopes queira mudar alguma coisa! Eu ouvi falar num projecto político próprio, de que ele não abdicava! E em política os projectos próprios precisam de um meio próprio para se expressarem e desenvolverem – e esse meio são os partidos.
Será um novo partido que se perspectiva? Liberto da ganga social-democrata?!
Era bom que fosse verdade, mas não acredito.
Estou mais inclinado para uma luta surda e mortal entre Sócrates e Manuela Ferreira Leite, para ver qual dos dois se parece mais com Salazar.
E a Manuela até se saiu bem no discurso de vitória! Não disse nada e disse tudo.
Saudações monárquicas.

quarta-feira, maio 28, 2008

Então e o 28 de Maio?!

Ninguém fala nele! Será que não conta para o centenário?! E a juventude, aquela que confunde o 25 de Abril com a fundação da nacionalidade, terá ela alguma ideia sobre o 28 de Maio de 1926? Ou não sabe nem quer saber porque desconfia que deve ter sido mais uma revolução traída!
A verdade é que foi o ‘28 de maio’ que deu origem à segunda republica, vulgo, estado novo, e sempre foram quarenta e oito anos, não é brincadeira nenhuma! O melhor é dar uma explicação (informação) simples, como se fosse futebol, para os adeptos da selecção perceberem: com o 28 de maio a direita venceu a esquerda, colocando as republicas empatadas a uma bola. O 25 de Abril desempatou a favor da esquerda mas como as coisas andam não deve tardar muito para a direita empatar outra vez. E já merecia.
Até nisto somos o país dos empatas!

domingo, maio 25, 2008

Profético

Quando Sócrates decidiu, em tom solene, congelar os ‘passes sociais’, estava eu sentado a ver o debate na televisão! Num gesto instintivo, levantei-me, fui ao frigorífico, e pus o salazarismo a descongelar!
Salazar também congelou as rendas de Lisboa e Porto, e quando o fez, invocou por certo as melhores razões, e tal como Sócrates, recolheu o aplauso da união nacional da época.
Salazar também sabia que há mais inquilinos que senhorios, e que é em Lisboa e Porto que as maiorias se definem, com ou sem votos expressos. Sócrates também sabe que os passes sociais dizem respeito às populações que vivem à volta destas duas grandes cidades.
Em ambos casos a medida é inatacável, a crise externa justifica quase tudo, e tem a vantagem de esconder inépcias e populismos internos.
Assim, governar é fácil.

sexta-feira, maio 23, 2008

Cançoneta a dois tons

Temos que admitir que as canções da Eurovisão já tiveram melhores dias, antigamente entravam no ouvido, era no tempo em que os melhores autores e compositores apostavam forte neste concurso. Agora, letras e músicas aparecem enlatadas, na sua maioria são cantadas em inglês, não é fácil distingui-las! Na hora de escolher, o melhor é orientarmo-nos pelos intérpretes, no meu caso, pelas intérpretes.
Mas confesso que ando um pouco alheado do festival e tanto assim é que quando ouvi a locutora nomear a nossa intérprete apanhei um susto pois pensei tratar-se da Vanessa Fernandes, a grande campeã do triatlo! Percebi mal, o apelido também é Fernandes mas chama-se Vânia. Uma jovem que defendeu muito bem a canção portuguesa, um bocadinho trágico-marítima, mas isso ela não tem culpa, a verdade é que conseguiu apurar-se para a final!
Mas o que eu não sabia, e fiquei a saber, é que a Europa das canções também funciona a duas velocidades, também tem os grandes e os pequenos, e curiosamente nós fazemos sempre parte dos pequenos! É como lhes digo, e se não percebi mal outra vez, para além do país organizador, mais quatro países (adivinhem quais!) e respectivas canções, têm apuramento garantido, obrigando-se os restantes a disputarem uma espécie de pré-eliminatória!
Com franqueza, nem nas cantigas somos iguais, nem com música a Europa se comove!
E nós ainda insistimos, ainda lá vamos, em lugar de fazermos concursos e festivais com quem, e para quem, nos entenda.