sexta-feira, julho 18, 2008

Bem comum

Segunda-feira passada, no ‘prós e contras’, um belga que por cá casou e ficou (a ensinar filosofia), exaltava as nossas qualidades como povo mas admirava-se com a ausência de sentido do ‘bem comum’ entre os portugueses. E exemplificava com a resistência dos condóminos em contribuírem para as partes comuns do condomínio!

Sabendo-se que a noção de ‘bem comum’ é o cimento (e o impulso) que constrói as pátrias e que a sua ausência ou desvalorização, conduzem à extinção ou à dissolução das mesmas, não pude deixar de prestar atenção a tal depoimento, ainda por cima vindo de um observador privilegiado.

E digo observador privilegiado porque a existência da Bélgica só se compreende apelando à noção de ‘bem comum’, uma vez que estamos perante um estado constituído (fundamentalmente) por duas comunidades, flamengos e valões, com origens e idiomas muito diferentes, em tudo propensas à separação.

Esta separação não acontece (não aconteceu até agora) porque a noção de ‘bem comum’ prevalece, e prevalece, em minha opinião, porque tem uma representação política adequada. Na Bélgica, como se sabe, quem representa e garante o ‘bem comum’ é a monarquia, ou se quiserem, ‘o rei dos belgas’.

Aqui chegados, lembro-me que no referido programa, Fátima Campos Ferreira não resistiu e leu uma conhecida crónica de Eça de Queiroz onde este descreve o ‘estado da nação’ à época (finais do séc. XIX e finais da monarquia), retrato em tudo semelhante ao tempo presente. A mesma crise social, igual descrédito na política, na justiça, a desconfiança generalizada, com toda a gente a dizer mal de tudo e de todos.
E vivíamos ainda em monarquia, exclamarão (satisfeitos) os republicanos!

Dando de barato que o regime era monárquico, eu chamar-lhe-ía antes uma ‘república coroada’, torna-se necessário admitir que a noção de ‘bem comum’ é uma coisa e a respectiva representação política é outra. Normalmente (e de forma natural) coincidem em monarquia e só excepcionalmente (por períodos de tempo limitado) podem coincidir em república. Nunca coincidem, digo eu, quando as elites que detêm o poder impõem à população usos e costumes estranhos às suas origens e cultura. O ataque à Igreja Católica e ao catolicismo é neste aspecto recorrente.

Era portanto lógico que o divórcio entre o povo e a ‘elite afrancesada’ que chegou ao poder em 1820, se fosse aprofundando atingindo mais tarde por ricochete a própria instituição real. Hoje todos os historiadores vão nesse sentido, nomeadamente quando tentam explicar as causas do regicídio.

Podemos assim concluir que a noção de bem comum se fortalece nos caminhos da tradição, e esmorece sempre que o estado se afasta desses caminhos. Nesta ordem de ideias compreende-se que tenha sofrido forte abalo no período filipino; e que tenha recuperado com a restauração; também não foi bem tratada durante as razias de Pombal e decaíu muito no liberalismo; mas a machadada final no bem comum quem a deu foram os jacobinos republicanos, e curiosamente... invocando sempre o bem comum!

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