domingo, abril 16, 2006

“O cristão e o mundo novo”

Em tudo que foi dito, o cristão trabalha eficazmente pelo homem. Tem por si a experiência da Igreja, que realiza pelo Espírito a obra essencial, fundamento de todas as mais: a de restituir o homem a ele mesmo, para o restituir a Deus.
Antes de mais, endireita como o Baptista os caminhos por onde o Senhor há-de passar, quero dizer: ele faz passar primeiro a verdade e o amor. Sem a verdade e o amor, a justiça ficará cega e converter-se-á em tirania ou em revolta.
Base da civilização antiga era a escravatura. A revolução que havia de a destruir, começou no dia em que os homens souberam, senhores e escravos, a dignidade da pessoa humana. O mundo novo nasceu no interior de cada um, na consciência, antes de se traduzir nas estruturas sociais.
Será sempre assim. O homem novo construirá o mundo novo. Nunca o mundo novo estará concluído, em nenhum momento da história. Estará sempre em trabalhos e dores de nascimento.
O ponto é que o cristão saiba de que espírito é e se deixe levar por ele. Como um vinho novo, fará estalar as vasilhas velhas. Transforma a sociedade, começando por transformar os homens.
Não que despreze o condicionamento humano do mundo, isto é, a adaptação deste ao homem, ou, como também se diz, a transformação, a humanização das estruturas político-sociais. É sempre ao serviço da pessoa humana que trabalha o cristão na história, quando trabalha para Deus.
E assim como S. Paulo disse aos cristãos de Éfeso que despissem o homem velho e se renovassem no espírito vestindo-se do homem novo, o cristão procura recuperar tudo para o homem, tudo o que pode ser salvo: a economia, a política, a cultura.
Trabalha pacientemente com Deus. Cada momento é uma oportunidade, que toma com espírito humilde das mãos da Providência. Ao contrário do marxismo, que sacrifica o presente ao futuro, ele edifica o presente. Não destrói para construir. Não apaga a mecha que fumega, nem quebra a cana rachada. Não abandona o bem real pelo bem imaginado. Não pratica a injustiça para realizar a justiça.

D. Manuel Gonçalves Cerejeira
Cardeal Patriarca de Lisboa

(Última Lição como Professor Catedrático da Faculdade de Letras de Coimbra – 1958) (excerto-continuação)

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